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Tecnologia usa energia solar para gerar fertilizante a partir de resíduos biológicos

  • alexandrequeiroz41
  • há 8 minutos
  • 3 min de leitura

Pesquisadores da USP e da Universidade Stanford desenvolvem tecnologia limpa e de baixo custo que converte urina em sulfato de amônia, um fertilizante essencial para a agricultura

energia solar e agricultura
Iniciativa apresenta potencial para ampliar o acesso a saneamento básico e reduzir impactos ambientais. Créditos: BBC

A dependência global da indústria de fertilizantes nitrogenados — concentrada majoritariamente em países de alta renda — tem criado gargalos econômicos e ambientais, encarecendo insumos agrícolas e ampliando desigualdades no acesso à produção de alimentos. Buscando alternativas sustentáveis, pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Stanford (EUA) desenvolveram um sistema inédito capaz de transformar urina humana em fertilizante utilizando energia solar.


O projeto, batizado de Solar-ECS (Photovoltaic–Thermal Electrochemical Stripping System), propõe uma solução de baixo custo, modular e ecologicamente responsável, que pode ser aplicada tanto em zonas rurais quanto urbanas. O estudo foi publicado na revista Nature Water e conduzido por Amilton Barbosa Botelho Junior, engenheiro químico da Escola Politécnica da USP, durante seu pós-doutorado na Universidade Stanford.


Amilton Barbosa Botelho
Amilton Barbosa Botelho Junior – Foto: Arquivo pessoal
“Onde há pessoas, há urina — e, portanto, há nitrogênio em abundância. É um recurso biológico subutilizado, mas com enorme potencial para a agricultura”, explica Botelho Junior.


Fertilizante a partir de um recurso biológico


A urina contém nitrogênio suficiente para atender cerca de 14% da demanda global por fertilizantes agrícolas, segundo estimativas do estudo. O Solar-ECS é um reator eletroquímico fotovoltaico-térmico que recupera o nitrogênio presente na urina na forma de amônia, gerando sulfato de amônia (NH₄)₂SO₄, um dos fertilizantes mais utilizados no mundo.


O sistema é composto por três câmaras:


  • Ânodo, onde a urina é inserida e ocorre a conversão inicial de nitrato em amônia;

  • Cátodo, onde os íons de amônia passam por uma membrana catiônica seletiva e são transformados em gás;

  • Câmara de ácido sulfúrico, onde o gás se combina e forma o sulfato de amônia, utilizado como fertilizante.

Solar-ECS
O sistema expande o acesso a fertilizantes, saneamento e eletricidade. – Foto: Cedida pelo pesquisador

A inovação não se limita à reação química. O calor gerado pelos painéis solares — normalmente um subproduto indesejado — é reaproveitado para aquecer os reatores e aumentar a eficiência do processo de extração, tornando o sistema ainda mais sustentável.


“Conseguimos gerar energia elétrica de forma limpa e, ao mesmo tempo, usar o calor da luz solar para melhorar o desempenho químico do reator”, explica o pesquisador.

Sustentabilidade e democratização dos fertilizantes


Atualmente, a maior parte dos fertilizantes nitrogenados é produzida via processo Haber-Bosch, que consome grandes quantidades de gás natural e energia fóssil. Além do alto custo, o método contribui significativamente para a emissão global de gases de efeito estufa.


O Solar-ECS, por outro lado, dispensa combustíveis fósseis e pode operar off-grid, utilizando apenas energia solar — um passo importante rumo à autossuficiência agrícola e energética em países de baixa e média renda.


Segundo Botelho Junior, a distribuição desigual da produção de fertilizantes tem impacto direto sobre a segurança alimentar global: “O Norte Global concentra as fábricas, enquanto o Sul Global arca com os preços mais altos. Nosso sistema tem potencial de reverter parte dessa lógica”.


Saneamento e preservação ambiental


Além da aplicação agrícola, a tecnologia traz avanços importantes para o tratamento de águas residuais e o acesso ao saneamento básico. O sistema é modular e flexível, podendo ser dimensionado para grandes centros urbanos ou comunidades isoladas, promovendo o reaproveitamento de resíduos biológicos e a redução da poluição hídrica.


Os testes indicaram uma significativa remoção do nitrogênio da urina, com amostras que apresentaram coloração mais clara e ausência do odor característico, sinalizando eficiência no tratamento. Esse resultado é particularmente relevante em regiões onde o excesso de nitrogênio causa eutrofização de rios e lagos, comprometendo a biodiversidade aquática.


“O processo oferece dupla vantagem: evita a contaminação ambiental e converte um resíduo em insumo agrícola valioso”, ressalta Botelho Junior.

Desafios e perspectivas


A principal limitação para a adoção em larga escala ainda é o custo dos materiais reagentes e da infraestrutura elétrica. Entretanto, o uso da energia solar como matriz principal reduz significativamente o custo operacional e a pegada de carbono do sistema.


O pesquisador acredita que o escalonamento industrial é viável e que, com apoio de políticas públicas e investimento em inovação verde, o Solar-ECS pode revolucionar a economia circular no agronegócio. O grupo de pesquisa também avalia expandir a tecnologia para extração de minerais críticos — como lítio, cobalto e níquel — usados em baterias e dispositivos eletrônicos, ampliando o alcance da inovação.


“Trata-se de um sistema de economia circular: o que antes era descartado agora pode gerar alimento, energia e sustentabilidade”, conclui o pesquisador.

🔗 O artigo completo Prototyping and modelling a photovoltaic–thermal electrochemical stripping system for distributed urine nitrogen recovery está disponível em: Nature Water.


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